21 de mai. de 2015

Embarque & Embates

Mais um texto brilhante da poetisa, contista e psicóloga Marisa (A)Penas, exclusivamente para você. 


1º dia do ano de 2015. Aboletada, não tão confortável como gostaria, pois o espaço é pequeno no nível que viajo, decolo contente nas asas da TAM, rumo à minha GYN. O possessivo fica por conta da particularidade sempre à frente. Degusto Goiânia ao meu modo, no prazer de fazer parte dela.
Experiências no saguão.

A figura estranha de um jovem. Observo calada, e discreta, claro!... Todavia, os pensamentos se agitam. Uma questão me chega: O quê levaria alguém a transformar os cabelos em grosseiros cipós? Isso mesmo!... Cipós ásperos para a visão, com aparência de sujeira. Cordas grotescas onde a água não penetra. Um dia foram fios de cabelos.

Tento arquitetar razões. Acha bonito?... É gosto. Quer chamar atenção? Conseguiu. Detesta pente e xampu? Parece que sim. Concluindo meu arquivo: onde água não atua, falta higiene.

Agora me atrai a agitação duma criança insistindo em virar mala, pois se joga no espaço destinado ao despacho de bagagens.

A mãe, sem nenhum pulso educacional – sou perita nesta observação –, expele palavras num som de gata no cio: “Fulaninho, não pode...”. Óbvio que o pirralho continua o movimento, até que um funcionário intervenha interrompendo a cena ridícula, retirando o “mala” pelo braço. E a mãe, miando: “Tá vendo, Fulaninho?”... 

Nestas ocasiões, me pergunto por onde andam os bons costumes, as orientações de respeito à convivência. Algumas gerações, das quais faço parte, se primaram na distribuição de moedas valiosas para o uso comportamental de não perturbar aos outros com atitudes desagradáveis.

Arrematando a “Babel Aeroportuária” no saguão de embarque, um representante do sexo masculino fala ao celular à moda de locutor esportivo narrando jogo, ou seja, gritando. O mais bizarro é o assunto numa linguagem tosca. Poluição sonora sufocante!... Será que ele imagina o incômodo provocado? Todos têm o direito de se comunicar, da forma que bem desejarem,  desde que não atropelem aos que estejam por perto.

Questão de ordem. Aliás, o lema de nosso “lábaro cívico” é bem desconsiderado. Verdade entristecedora. Vivemos num país sem ordem, a partir da cúpula onde inexistem leis para seus crimes. Sem a devida ordem, o progresso passa longe. A farra é antiga e já se fez tradicional, para meu desgosto. 

Voltando ao meu quadrado, voei pelos registros mnemônicos ouvindo minha mãe que foi amorosa mas severa deixando legados nos exemplos e nos ensinamentos verbalizados.

Gostava de nos advertir: “Tenham cuidado com o que fazem, onde vão. Prestem atenção nos seus passos, para não servirem às críticas”. Acolhi como sabedoria no uso da discrição, no respeito aos limites, na consideração da presença do outro.

Aprecio o progresso, louvo a tecnologia, respeito os direitos, aprendo com a diversidade humana, considero justo o usufruto da liberdade. Muitos aspectos destes tempos modernos me encantam.

Todavia, me vejo agredida pelo comportamento generalizado, incentivado pela mídia, onde cada um elimina a presença das outras pessoas, como se o Universo estivesse a serviço da centralização do umbigo de cada sujeito, desconsiderando tudo mais.

Muito já se disse  acerca deste aspecto. Um imediatismo sustentado pelo hedonismo granítico que beira o instintual, um materialismo bárbaro onde tudo é venalmente avaliado para dar a proporção indiscutível do “mais eu” e, um dos piores efeitos, na minha percepção, é o atropelamento inconsequente da educação básica de ocupar apenas o próprio lugar, não invadindo a seara alheia.

Uma transgressão da lei física que enuncia “dois corpos não ocupam o mesmo espaço, ao mesmo tempo”. A lógica seria: se o outro está lá, não posso estar,  simultaneamente. É preciso aguardar a vez. 

Nada disso!... Sai da frente, porque cheguei com minha grosseria, meu celular barulhento, furando fila, impondo hábitos, etc...
Um horror!
Despachei minha bagagem como se faz dentro das normas. Segui calmamente para a sala de embarque. Por lá as confusões seriam outras.
Tenho a consciência tranquila de não azucrinar quem está por perto. Vou executando a minha parte e me divertindo com tamanhas alterações. É o meu país...

Marisa (a)Penas